O Diário do Zé Povinho Emigrado

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quinta-feira, dezembro 01, 2005

Origens das ideias (uma disputa familiar)

Aqui vão os excertos de uma discussão entre a minha mãe e eu:


Mail da minha mãe para mim:


[sobre o meu Post “Redondâncias”] … mas a certa altura até pareces pouco seguro de ti e achas que a falta de organização lógica vai baralhar mais os outros que a ti.
VAMOS VER SE NÃO TE BARALHAS COM O TEXTO DA TUA MÃE, que te vai expor a sua última teoria.

[...]

Não esquecer que “a ordem dos factores é arbitrária”

Entre os gregos a palavra “ideia” significava “imagem” e para Aristóteles as ideias provinham de uma imagem, ou seja, de uma impressão causada sobre os sentidos, em qualquer deles e não só sobre a visão. – o som impressiona o ouvido e dá-nos a ideia de que pertence ao sentido da audição – o limão irrita-nos os dentes e dá-nos a ideia do ácido – além de que, os nossos sentidos possuem a faculdade de poderem ser impressionados na ausência do objecto que provocou essa impressão – se nos convidarem a morder um limão, a ideia faz-nos salivar e irrita-nos os dentes (lembras-te da Lei de Pavlov).

Parece-me que temos toda a vantagem em considerar teoricamente as ideias como impressões provocadas sobre o cérebro, impressões que os órgãos podem colocar na ausência do objecto, voluntária ou involuntariamente.

A diferença dos espíritos (no sentido de inteligência) está na quantidade de imagens e na facilidade de as combinar. As ideias são, pois susceptíveis de combinações, por conseguinte, podemos aplicar-lhes os princípios do cálculo das combinações. (ainda não te perdeste? Coragem.) Vamos ver a combinação:

AB (chamo combinação à junção e não à transposição): assim, AB é a mesma combinação que BA, logo duas letras só podem juntar-se de uma maneira.

Três letras, tomadas 2 a 2 , podem juntar-se de 3 maneiras, e todas as 3 em conjunto faz 4.

Quatro letras tomadas 2 a 2 fazem 6 combinações; 3 a 3, fazem 4; todas juntas, uma o que faz no total 11.

Cinco letras produzem 16 elevadas a 21.

E etc., uff... Nesta ordem de ideias quantas mais ideias mais combinações, cujo resultado será a maior capacidade de construção de ideias, conceitos, mas também de abstracções. Portanto, as inteligências de diferentes ordens podem realmente ser encaradas como de uma única espécie, da mesma maneira que o mais complicado dos cálculos pode ser considerado como sendo da espécie das adições e subtracções.

Bom mas agora que vou eu fazer com tão transcendente teoria? Porque a fui eu agora buscar? Para que me serve? Vamos lá desenrascar-nos .....

1º -- a ordem dos factores é arbitrária.

No teu texto, não havia necessidade de ficares aflito com a ordenalidade das ideias, pois tanto te fazia começar por A ou por B ou por C.

Desde que, não colocasses meio A mais meio B ou C para formares uma ideia. A ordenalidade e a lógica das ideias serão mantidas se assim se proceder. A lógica da sequência não tem de ser necessariamente temporo-cronológica, mas pode ter uma cronologia em função de, por exemplo, qualidade, de interesse, de situação no espaço, etc. inventa que eu se vou por aqui fora é que fico mesmo “deslógicada“ (bonita palavra).

2º -- abstracções (subtracções)

Como qualquer um ao escrever tem de fazer algumas subtracções ou abstracções nos seus textos, pois nem todas as ideias ou imagens são necessárias ou interessantes para a explanação do texto ou mesmo a sua compreensão, (vidé este texto da tua mãe).

[...]





Minha resposta ao mail da minha mãe:


[...] a tua teoria fez-me pensar - que bom que isso já é! - e a meu ver a coisa não é assim tão plana. Matematicamente vai bem e, por isso, para os gregos a tua teoria seria ouro sobre azul. Mais ainda para os rabinos: é só meter a palavra combinação pelo meio e estás completamente certa. Já convenceste meio mundo!
No entanto, e isto no meu mundo, as ideias têm cores, têm sabores diferentes, têm naturezas diferentes. A cadeia de ideias que o pensamento forma (e que também forma o pensamento de per sé) é despoletada por diversos botões completamente distintos. Penso que é isso que torna o pensamento humano brilhante, tão belo, tão perigoso e às vezes tão confuso, tão caótico, tão estúpido.
Assim, além de considerar o número de combinações, há que ter em conta as proporções e a qualidade dos resultados – o velho embate entre a abordagem quantitativa e a qualitativa. 2 ideias completamente diferentes podem dar o mesmo resultado. 2 resultados diferentes podem ter origem nas mesmas ideias, manipuladas de modo distinto ou em proporções distintas. 2 ideias juntas podem não dar absolutamente resultado algum, podem dar mais que 1 resultado, podem anular-se mutuamente, podem anular uma terceira ideia distinta das primeiras. Daqui que, segundo creio, até com meio A e meio B se pode obter um C perfeitinho. Se calhar com o A e o B inteiros só obteria meio C, ou um D. E até digo mais. Se um A e um B dão um C, se calhar um B e um A dão um D. Isto é facilmente provável: recorda-te dos teus tempos de escola - aprendes-te primeiro a somar ou a multiplicar? E aprendeste as combinações (de que te lembras tão bem, parabéns!) primeiro ou depois disto tudo? Sejamos um pouco flexíveis e consideremos estes operadores lógicos ideias. Seja a soma A, a multiplicação B e a combinação C. Cronologicamente A + B pode dar C. Mas o mesmo resultado muito dificilmente será obtido a partir de B + A. Isto porque sem dominar a ideia de soma jamais poderás multiplicar. E sem dominar a ideia da multiplicação, e da soma por consequência, jamais poderás combinar. A ordem importa, daí que pense que devas reestruturar a tua teoria agora com permutações, em vez de combinações.
Também creio que uma ideia pura, sozinha, pode dar origem a uma ideia nova. Sem factores lógicos pelo meio, sejam eles heurísticas, analogias ou induções. Todos estes “factores lógicos” são, a meu ver, os operadores do cérebro, as panelas onde metes as tuas ideias para cozinhar outras novas. Existem ideias que surgem espontaneamente sem necessidade de ir ao lume. De A só podes ir para B. Porque é assim.

Dito isto, penso que a tua teoria, mesmo que reestruturada agora com permutações, se não tomar em consideração esta espontaneidade, esta predisposição dependente da natureza da ideia não vai ao cerne da questão. Não poderá jamais explicar os fenómenos mais belos do pensamento humano, ou seja, aqueles que dificilmente alguma teoria conseguirá explicar (estás a ver? Isto que acabei de dizer não pode ser uma inferência válida segundo a tua teoria, no entanto, sentes ou não sentes que esteja correcto? – que bela pescadinha de rabo na boca!). A arte perderia beleza, a espiritualidade perderia genuinidade, o bem ou o mal estariam arrumados lado a lado com a roda e o piaçaba.


De qualquer modo, foi propositada a sequência com que descrevi os acontecimentos, tal como o digo logo ao início: “Podia contar esta história de modo ortodoxo e ordenar os acontecimentos cronologicamente. Mas ordenar de tal modo uma história destas é ser incoerente para com o seu próprio conteúdo. Por isto, vou começar a contar este início de Erasmus pelo fim. E depois logo se verá.". A ordem dos factores interessa e se “Contar este início de Erasmus” é o resultado esperado R, ele só consegue ser obtido com B + H + E + Z + ... e nunca com A + B + C + .... Não pela razão que expuseste, mas porque, além da ordem dos factores interessar independentemente de tudo o resto, as ideias têm naturezas diferentes, interagem de modos distintos e inesperados entre si, trazem consigo uma carga própria, uma áurea de predisposição para caminhos distintos. De cada ideia brotam ideias.


Quanto à falta de confiança penso que seja natural. Não quero contar o que fiz – acordei às 8:09; cocó às 8:14; pequeno-almoço (mão-cheia de Corn Flakes, igual quantidade de leite meio-gordo e uma colher e meia de açúcar) às 8:21; mandei um peidinho à socapa às 8:29; calcei os sapatos (primeiro o esquerdo) às 8:32; etc. – mas sim o que tenho feito, e isso é muito mais difícil.


Espero que tudo isto te sirva para desenvolveres a tua teoria sobre a origem das ideias.

[...]