O Diário do Zé Povinho Emigrado

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terça-feira, fevereiro 14, 2006

Com a verdade me engano

O correr da vida destrói os nossos sonhos. Pelo menos tira-lhes cor, definição. É inevitável. Muitas vezes temos tendência para reinterpretar as nossas aspirações de modo a, sem nos desmascararmos a nós mesmos, lhes moldarmos as formas até se tornarem realizáveis, ou mesmo, pior, realizadas. Porra! Quando em puto se queria ser astronauta não é sendo canalizador que se realiza esse sonho. Ser astronauta não era uma metáfora para o uso de fato-macaco azul e chaves de fendas.

Então qual é o valor dos sonhos? Vale a pena sonhá-los para mais tarde sentir o fel da derrota na única batalha que a sorte nos garante, a vida? Devemos deixar as crianças sonhar com vidas de músico, médico, cientista, astronauta, policia e bombeiro nos tempos livres? É justo?

Acho que é impossível não se ser algo sombrio, introvertido e não dado a extremos de alegria jorrante quando se pensa de verdade sobre todas estas coisas. É a maldição do pensante. Mas isso também não nos deve tornar pessimistas e deprimidos. Deve dar-nos armas para nos enganarmos a nós mesmos com a única verdade de que podemos ter absoluta certeza: a vida que temos é esta, e se formos felizes é melhor do que formos tristes. Infantilmente simples mas derradeiro.

Todos os nossos sonhos por realizar, por vezes realisticamente irrealizáveis, devem ser instrumentos que nos particularizem, que nos dêem carácter, que nos façam únicos. Devem ser vistos como os motores que nos fizeram crescer, que nos ensinaram tanto e, por isso, devem ser amados, quase venerados. Não devem ser vistos como motivos de tristeza, irrealização pessoal ou frustração. De facto, se analisarmos a coisa a fundo, nem são os sonhos de per se que despoletam esses sentimentos.

Se calhar esta é a minha mentira. Se calhar quando digo que quanto a mim devemos ver assim as nossas aspirações frustradas minto. Mas acredito nesta mentira. Acredito nestas mentiras. Se esta mentira for desmascarada algum dia, então mentirei outra vez. Lá me arranjarei...

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Sem título (vide N.A.)

Qualquer coisa que escrevi algures pouco tempo antes de ir passar as festas a Portugal:

<< No outro dia, já um pouco com os copos, depois de um jantar com amigos, sentei-me na cozinha, olhei para o tecto e, subitamente, pela primeira vez desde sempre, pensei: "Oh meu Deus, a minha vida mudou completamente!"
E foi bom.
>>



Enquanto estive estas 2 semanas de Natal e Ano Novo em Portugal deparei-me com situações inéditas. Sem pensar muito na coisa, quase como que por uma lógica universal indiscutível, esperava – sem o fazer de facto conscientemente – encontrar uma vida que já não era a minha. Não obstante, uma vez lá tudo voltou a ser como dantes.
- Ao ir à casa de banho a luz acendia-se por reflexo e não com ponderação, o que seria: se está escuro carrega-se no interruptor da luz (que por sinal deverá estar à esquerda da porta da dita cuja casa de banho).
- Sem sobressalto ouço a minha mãe chamar-me para jantar. E sem surpresas o primeiro – e único – pensamento que isso me desperta é: o que será o comer?
- Incontornavelmente retomo os hábitos: vou deitar-me, largo a Patuska pelo quarto e enquanto ela anda, maluca, aos saltos na brincadeira ponho-me a ler (agora em italiano, imagine-se lá...), já no calor da cama com a almofada debaixo do braço direito, inclinado para a luz. Chega o sono, saio da cama, mando a Patuska para a gaiola, fecho-a e deito-me pela última vez nessa noite.

Nesses dias, ao sonhar sonhei com Itália. Teria sido esse o sonho? Itália?

Agora, de volta a Siena sei-o bem: o sonho não foi Itália, foram esses dias que celebrei em família e entre amigos. E sonhei de uma vida outra, que já não é a minha.


Sei agora, que retornei (ou que voltei a partir?) que o mundo que deixei para trás está, de alguma forma, a desmoronar-se. Desmorona-se na minha memória, como é lógico ao fim de tantos meses de distância. Mas também se desmoronam – na realidade! – os arquétipos que povoavam essa minha outra vida. Essas existências que sempre tomei por certas, todos esses “se’s” que, pensava eu, nunca seriam mais que conjecturas. Tudo isto, emerge agora, invertido, feito ruína, memória.

Sei agora que quando retornar (ou voltar a chegar?) não encontrarei o mundo que deixei. E isso é normal, é crescer, certo? De alguma forma até é reconfortante: sei que encontrarei algo que não conheço ainda, e não mais que isso.




N.A.: No outro dia fui ao meu blog reler o que estava para lá. Qual o meu espanto quando dou porque tenho dado títulos verdadeiramente pretensiosos aos meus posts. Consequentemente, decidi redimir-me. Pensei em chamar este post “Couves e bacalhau” (foi a coisa mais foleira que me veio à cabeça) mas não tem nada a ver com nada. Além do mais poderia, involuntariamente, levar o leitor a pensar que o estúpido título alertava para a inevitabilidade de todos os outros de que falo. Não pretendo juntar a soberba ao já inegável pretensiosismo. Quanto mais não seja a pretensão de não pretender dar a entender o pretensiosismo latente em coisas como “Universos Paralelos”, “A nossa bagagem preconceptual” ou em verborreicas diarreias intelectuais como esta que acabam de ler...