Hoje fui de metro para a faculdade. Como sempre, é assim em ambientes prenhes desta ambivalência multidão/isolamento que me ponho a pensar aos tropeções: deixo o primeiro pensamento chegar à minha cabeça e contra esse o segundo não existe sequer. A seguir pego naquele que, mais uma vez, surge do nada. Começo de novo. Hoje tentei seguir um pensamento, fazer dele raciocínio e tecer, tecer, tecer até dar um nó final - na costura diz-se remate não é? À sombra da máscula dúvida fico-me pelo nó final -. Tudo isto sem deixar esse transe quente e sedoso.
Não consegui.
Pus-me a pensar nos momentos mais tristes da minha vida. Estes eventos são quase palpáveis. Nestas coisas devemos ser cegos neste teatro esquizofrénico que é a nossa alma: tentei apagar as luzes que lançam sombras sobre o palco. Ficou o toque. Procurei esses momentos tristes da minha existência.
O que faz de um momento triste e de outro alegre? É impossível dizer se nos abstrairmos de qualquer contexto em particular. Diria mesmo que as próprias emoções da tristeza e da alegria são melhor definidas enquanto secreções químicas no nosso corpo físico, o que é o mesmo que dizer que pertencem a um outro nível distante da nossa compreensão, incompreensível fora dos perversos livros. Curioso
ein?
Somos nós acima de tudo que fazemos dos livros perversos. E nunca deixamos de o fazer. Eles servem sempre o nosso propósito. A ideia é sempre moldada algures no canal de comunicação mais do que na mente do próprio criador.
Assim que apalpei todos esses momentos no escuro iluminador da verdade sobre a razão…
(
Porque é que a verdade está tão distante da razão? Existem razões que a razão desconhece? Lembro-me de um livro de Tabucchi: “A filosofia parece que se ocupa somente da verdade mas se calhar só diz fantasias, e a literatura parece que só se ocupa de fantasias e se calhar diz a verdade”.
“Atinge-se a verdade através da descrença e do cepticismo e não do desejo infantil de que uma coisa aconteça de certa maneira”. Nietzsche.
Cuidado Pedro, os livros são perversos! TU faze-los perversos. Não os lês como queres? Não usas o que lês como queres? Não recordas apenas aquilo que queres? É isso que queres?
Mas afinal tudo isto não estava, por sua vez, também escrito em livros? Não o leste tu!?)
…, apercebi-me que eram tão existentes, tão pulsantes de vida própria. Vísceras das minhas vísceras. (Gosto da palavra víscera, gosto ainda mais da palavra vísceras: sabe a maligno, a retorcido, a irritante, a entorpecido, a embriagado, a desgastante). Contei-os pelos dedos das mãos não fosse a aritmética lixar-me as contas. Contei 6. Noves fora. Os outros tantos momentos visíveis pelos holofotes da razão não foram alumiados por esta luz que alumia de olhos fechados. Essa que alumia até quanto os fechamos só na nossa mente. Mas só quando os fechamos.
Alvalade, até à próxima estação tenho que resolver isto.
O que têm de comum todos esses momentos?
Lembra-te! O quê?
Campo grande, há ligação com…
O quê?
Os holofotes reacenderam-se, penso agora com a razão. A verdade não explica, expõe. Preciso da razão agora.
Não tive tempo para lá chegar. O metro está a andar mais depressa não está? Não estou a aludir ao passar do tempo: falo na prática! Acho que desde que cheguei de Itália os metros percorrem as estações mais depressa do que dantes.
Eu disse que desta feita não tinha atado o nó final ao tecido de emaranhados convulsivos de correntes frias desta minha alma tão morna.
O tempo fê-la aquecer ou arrefecer? Já não me lembro como eu era.
Saí da carruagem.
De súbito lembrei-me de algo em comum nesses momentos todos. Não foi nenhuma experiência mística, nenhum
in sight ou qualquer outro tipo de caca mole vinda do céu. Foi descobrir o número de uma casa de um
sudoku renitente em revelar todo o seu esplendor de quadrado com números lá dentro.
Não atei nó nenhum.
Lembrei-me apenas que em todos esses momentos tristes da minha vida, os mais tristes, não chorei.
Sorri.
E foi a sorrir que cheguei à faculdade.
_
Originalmente publicado no blog
Amar no Escrever